Palestras de Sucesso Entrevista Mariana Holanda – Parte 1

1-Mariana Holanda, é uma honra recebê-la para este bate papo. Para começar, em 2020, um estudo da Microsoft, denominado Work Productivity Trends, traçou um mapa do bem-estar de seis mil trabalhadores de oito países, incluindo:  

  • Austrália;

  • Brasil;

  • Alemanha;

  • Japão;

  • Índia;

  • Singapura;

  • Reino Unido e Estados Unidos.

O resultado acendeu o sinal vermelho, em especial em nosso país:  o maior número de pessoas exaustas é o Brasil, com 44%, seguido dos Estados Unidos (31%) e da Alemanha (10%).

Como nossa grande autoridade no tema, comente um pouco sobre qual é o papel das empresas e dos líderes diante dessa realidade e quais ações são necessárias para lidar melhor com essa questão? 

Acho importante a gente ser profundo em qualquer análise que fazemos, mais do que pegar a fotografia de um momento é importante entendermos quais escolhas, decisões, nos fizeram chegar até esse momento enquanto sociedade. Gosto bastante de um autor que conta um pouco essa nossa trajetória de adoecimento – Byung-Chul Han em seu livro “Sociedade do Cansaço” explora de forma muito consistente essa relação do ser humano com o trabalho que já vem se tornando adoecida há bastante tempo.

Acredito que o ponto crucial nessa relação é sabermos que o adoecimento que estamos vivenciando não é uma responsabilidade individual, por isso é tão relevante que as empresas sejam parte da solução prática. Qualquer adoecimento psíquico vem de relações com características abusivas, sem limites, com poucos ou nenhum recurso. E quando falamos em relações mais de uma pessoa é envolvida, neste caso ela se dá com gestores, pares, subordinados etc., por isso a responsabilidade da exaustão conectada ao trabalho é compartilhada.

Para ultrapassarmos o que estamos vivenciando será necessária mudança profunda de rotinas, crenças, processos e rituais, dentro das organizações, e para isso é uma condição sine qua non que as lideranças estejam 100% entregues e envolvidas. Essas pessoas devem saber que têm sim uma responsabilidade a mais, exatamente por ocuparem um lugar de privilégio. E em um momento de poucas respostas, muitas perguntas e necessidades de muitos testes e escuta ativa, o fato é que esse tipo de postura precisa ser intencional, e ela só vem quando a pessoa, deseja genuinamente olhar para si, entrando em contato com muitos desconfortos, mudanças de comportamentos e responsabilidades.

2-Sabemos do quanto é importante desenvolver os aspectos da inteligência emocional para se tornar um  profissional de destaque, e mesmo um líder mais forte, com a capacidade de usar as emoções de forma favorável. Sendo assim, compartilhe conosco quais são os principais aspectos da inteligência emocional e qual o primeiro passo rumo ao seu desenvolvimento?

Os principais aspectos da inteligência emocional têm a ver com características como empatia, propósito, escuta, cooperação e autoconsciência. Perceber emoções (suas e dos outros), raciocinar e agir a partir do que dizem as emoções (também suas e dos outros), entendendo o que elas significam (ainda pra você e para os outros) não é uma tarefa fácil, justamente porque isso exige uma dedicação e disciplina para/com a construção intencional de novos hábitos, novas formas de pensar e de se comportar. O primeiro passo é o olhar para si através das ferramentas de autoconhecimento – psicoterapêuticas, espirituais etc.

 

3-Em tempos de trabalho híbrido e aumento do home office, alguns questões corporativas ganharam os holofotes. Algumas pesquisas mostraram que dentre as maiores dificuldades dos profissionais que atuam em posições de liderança, temos:

  • Manter a equipe motivada;

  • Falta de proximidade física;

  • Manutenção das entregas com qualidade.

Quais estratégias você indicaria para líderes, gestores e empresas, diante de tal cenário?

Mais uma vez desaguamos em consequências de relações superficiais. A criação de vínculo entre as pessoas, de pertencimento, é condição já provada necessária para o alcance da alta performance. E para isso existir a presença física não é indispensável. Quantas relações vivemos fora do ambiente de trabalho que não dependem disso, me assusta seguirmos usando esse tipo de argumento para a falta de intenção em construir pontes. Vínculo se constrói a partir de interesses em comum, de conexão interpessoal, compreensão e dedicação para além da tarefa exigida. Enquanto desejarmos ações simples e superficiais para problemas complexos, seguiremos enxugando gelo.



4- Você tem uma história pessoal com Burnout. Para o colaborador: quais os principais indícios de que ele está acometido da Síndrome de Burnout?  De que forma diferenciá-la da ansiedade? E para o líder: quais ações ele deve tomar para prevenir que ela ocorra no ambiente corporativo? E detectando sua ocorrência, como acolher o funcionário e prestar o suporte necessário?

Para o colaborador, sintomas como: cansaço excessivo, físico e mental; dores de cabeça frequente; alterações no apetite e no humor; insônia persistente; dificuldades de concentração; sentimentos de fracasso, insegurança, despersonalização (não saber mais o por que está fazendo o que se faz); negatividade constante; sentimentos de derrota e desesperança; sentimentos de incompetência; isolamento; fadiga; pressão alta ou queda de pressão; apagões de memória; diminuição de raciocínio; dores musculares; problemas gastrointestinais; alteração nos batimentos cardíacos.

Não há hoje como fazer essa diferenciação com ansiedade, as pessoas que são acometidas por essa doença ocupacional têm sintomas tanto de ansiedade como de depressão, por exemplo. O ponto crucial é entender que esses sintomas estão vindo de uma relação adoecida com o trabalho, em que se vive de forma constante situações de injustiça, falta de reconhecimento, assédio, falta de recursos, sobrecarga e excesso de pressão. Se você está acostumado a ter como prioridade 1, 2, 3, 4, o seu trabalho, você está sim sujeito ao adoecimento pela síndrome de Burnout.

Para a liderança: atenção aos comportamentos, rituais e processos que são utilizados com seu time, você repete o que é feito com você sem filtro? Você acredita que se você passou por constrangimentos, humilhações, falta de suporte etc. e “sobreviveu”, nada mais justo e normal que todas as pessoas também passem? Se sim, você está tendo uma relação tóxica com seu time. Mais uma vez, para mudar comportamento é necessário olhar para si de forma PROFUNDA.

Uma vez o burnout detectado, o papel da liderança é de acolhimento, respeito ao tempo de licença, e suporte, assegurando aquela pessoa que ela não será prejudicada em sua carreira por seu adoecimento. Para isso é necessário que o líder garanta verdadeiramente, na prática, dos processos dentro da organização, que isso não ocorra. Exemplo: se a empresa oferece serviço de psiquiatria e psicologia, o líder tem o papel de ajudar a pessoa a estar bem amparada e conhecer essas ferramentas, se durante o afastamento o processo de avaliação de desempenho acontecer, por exemplo, é papel do líder garantir que a doença não será usada para qualquer decisão contra a própria pessoa, e por aí vai.


5-O que uma empresa deve considerar para gerar Impacto Social através da Saúde Mental?

Atuar em saúde mental não é simples, se trata de articular diferentes aspectos em muitos níveis de complexidade. Não é sobre ter um espaço de relaxamento, fornecer aulas de yoga ou frutas.

Gerar impacto social através da saúde mental é colaborar para uma vida com maior qualidade para todas as pessoas. E no ambiente de trabalho existe uma infinidade de atravessamentos desse tema: a forma como as empresas reconhecem e valorizam seus funcionários, como se posicionam diante de injustiças e comportamentos abusivos, como suportam seu ecossistema e colaboram para um mundo mais equilibrado são exemplos de comportamentos que impactam a saúde mental de cada um dos indivíduos pertencentes aquela organização.

Será necessário mais do que um benefício de telepsicologia para colaborar genuinamente com a nossa transformação como sociedade. Passa por criar e aplicar abordagens comunitárias de cuidado dentro do seu ecossistema – isso envolve funcionários, dependentes, clientes, fornecedores etc. É uma articulação intersetorial, em que 100% das áreas e pessoas precisam estar envolvidas, dedicadas e com agindo com intenção.

Estamos falando de políticas bem definidas de equidade (licença parental, salarial, representatividade etc), de tolerância zero com práticas humilhantes e constrangedoras que desaguam em assédios dos mais variados, de clareza nas decisões envolvendo reconhecimentos, de flexibilização da rotina de trabalho, de políticas de respeito que reflitam nas escolhas de negócio (reputação), de psicoeducação, de inibição à precarização do trabalho (carga horária, descrição/escopo de trabalho etc), e tantos outros exemplos. Empresa, seus processos, rituais, símbolos estão alinhados com seu discurso de bem estar e colaboração?

As organizações precisarão fazer conexões interdisciplinares se realmente quiserem ter um papel positivo, e o fato é que isso dá realmente MUITO trabalho. Isso porque não envolve mais um pensamento industrial, cartesiano, em que cada um “aperta um botão”, faz o seu e no fim dá certo. Para conectar áreas diferentes vai ser necessário exercer uma habilidade nunca requisitada no mundo corporativo: ter um olhar para as pessoas de forma integral.

As máscaras do gestor perfeito irão cair, não ser vulnerável, não aceitar errar, não acessar suas emoções, não é mais uma opção. É hora de inovar em humanização, e cuidar integralmente é determinante para isso.


6- Quais aspectos a gestão deve considerar para que a cultura da  não reproduza sistemas arbitrários, o que pode muitas vezes minar oportunidades das  pessoas prosperarem no ambiente organizacional?  

Estamos falando de políticas bem definidas de equidade (licença parental, salarial, representatividade etc), de tolerância zero com práticas humilhantes e constrangedoras que desaguam em assédios dos mais variados, de clareza nas decisões envolvendo reconhecimentos, de flexibilização da rotina de trabalho, de políticas de respeito que reflitam nas escolhas de negócio (reputação), de psicoeducação, de inibição à precarização do trabalho (carga horária, descrição/escopo de trabalho etc), e tantos outros exemplos. Empresa, seus processos, rituais, símbolos estão alinhados com seu discurso de bem estar e colaboração?

7- Compartilhe conosco 5 insights valiosos para promover o bem-estar dos colaboradores e construir um ambiente de trabalho saudável e produtivo.


Há alguns anos já se sabe sobre o quanto a metodologia de Segurança Psicológica de Times pode ajudar na construção de um ambiente saudável e de alta performance. Mas para que ela seja aplicada é necessário garantirmos cinco fundamentos como bases dentro da organização, são eles: Organização apoiadora, Confiança e respeito, Comportamento da liderança, Dinâmica de time e Prática.

Organização apoiadora está para a forma como a empresa se organiza em termos de normas, políticas e processos que influencia positiva ou negativamente no desempenho das equipes. Confiança e respeito são as necessidades básicas do ser humano que são desenvolvidas num espaço de tempo na relação de um para um. Comportamento da liderança é o fundamento principal, um dos principais impulsionadores da segurança psicológica na organização, a liderança precisa demonstrar 3 comportamentos fundamentais: estar disponível, dar feedback, modelar a abertura e o espaço para erros. Quando falamos em dinâmica de time é sobre como o time se relaciona, se socializa e como mantém as relações saudáveis. E por fim, a prática, ela tem a ver com rituais de time que são praticados e exercitados no dia a dia.

 

8- Comente sobre a metodologia da Segurança Psicológica de Times e compartilhe conosco aquelas que você considera as principais estratégias para construir um time de alta performance. 

A Segurança Psicológica de Time, expressão cunhada pela Professora Amy Edmondson de Harvard, é uma crença compartilhada pelos membros de um time de que este é seguro para tomar risco interpessoal – que significa comportamentos que não inibam nossa aprendizagem individual e coletiva, como perguntar, expor ideias, compartilhar erros etc.

Esse termo ficou bem conhecido no mundo corporativo após o Google realizar uma iniciativa, em 2012, chamada “Projeto Aristóteles”. O intuito era estudar centenas de equipes do Google e descobrir por que algumas tropeçaram enquanto outras prosperaram. Será que as melhores equipes eram compostas por pessoas com interesses semelhantes? Ou importava mais se todos eram motivados pelos mesmos tipos de recompensas? No fim, os pesquisadores notaram algumas características presentes em times prósperos que comprovaram serem aspectos de formação de Segurança Psicológica.

Existem sete elementos que constituem a Segurança Psicológica de um time:

✔Apreciação: os membros do time sentem que suas habilidades e talentos são valorizados e utilizados

✔Apoio Mútuo: os membros do time se apoiam uns aos outros e não agem de forma a diminuir os esforços dos demais

✔Reação a erros: os erros cometidos não são usados contra os membros do time

✔Lidar com Problemas: os membros do time podem trazer os problemas com segurança

✔Aceitação da Diversidade: os membros do time não são rejeitados pelas suas diferenças

✔Assumir Riscos: os membros do time se sentem seguros para assumir riscos

✔Pedir Ajuda: é fácil pedir ajuda para outros membros do time

 

9-Em um dos seus posts nas redes sociais, você fala que a partir do momento que somos ensinados a sermos “profissionais”, acabamos nos distanciando dos sentimentos e das emoções. Como resgatá-los? O que fazer para aflorar nossa capacidade de criar vínculos com a equipe e aflorarmos nossa capacidade de superação? 

Sua capacidade de criar vínculos está diretamente conectada ao seu interesse genuíno por determinadas pessoas. É importante que antes de qualquer coisa você avalie como são formadas suas relações no geral, e esse resgate só é feito através dos ferramentais de autoconhecimento.


10- De que maneira a segurança psicológica contribui para o alcance da alta performance sustentável? 

Através da prática diária e intencional de seus sete elementos o time vai conquistando o que eu chamaria de um “flow” próprio. O time sabe que no mesmo lugar que existem objetivos grandiosos a serem conquistados, também existe um espaço seguro, de amparo, cuidado, suporte e aprendizagem constante.

É importante comentar que o líder tem um papel crucial na aplicação intencional dessa metodologia, principalmente no que tange ao compartilhamento de seus desafios, medos e dúvidas. É através da vulnerabilidade que a responsabilidade das entregas se torna compartilhada e o time vai se tornando auto regulável.

(Continua…)

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