1- Antes de mais nada, é uma honra para nós recebê-lo em nosso time. De início, contra pra gente, o que te levou a seguir pelo mundo do Direito?
Dr. Vander Andrade: Eu venho de uma família de advogados. Meu pai e meus dois irmãos eram advogados. Esse ar jurídico que se respirava em casa, em pouco tempo, acabou me conquistando e me encaminhando para a descoberta de minha maior vocação profissional. O Direito me realizou profissionalmente, tanto como advogado, como professor, em cursos de graduação e de pós-graduação.
Poder ajudar pessoas e empresas é algo que me fascina e me traz grande satisfação pessoal. Muitos dos desafios pessoais e empresariais que julgamos ser insuperáveis, podem ser vencidos com o conhecimento das alternativas legais e jurídicas.
E muitos problemas de grande impacto podem ser evitados se adotarmos medidas preventivas em relação a pontos sensíveis da gestão empresarial, que caso negligenciados, podem expor a empresa a uma situação de risco e de grande vulnerabilidade.
2- Como palestrante e um dos mais renomados especialistas na área legal, conte pra nós: de que maneira podemos posicionar uma empresa num patamar de alta performance, sem cometer equívocos legais e jurídicos?
Dr. Vander Andrade: Um dos primeiros passos para evitar problemas jurídicos é conhecer o próprio negócio. E a partir daí, identificar as áreas mais sensíveis da empresa, aquelas que podem criar riscos para o empresário ou para os acionistas. São justamente estes campos específicos que demandam maior atenção, onde devem ser empregados mecanismos de proteção e de salvaguarda do bom nome da empresa, de sua imagem e do seu patrimônio material e imaterial.
Atualmente, posso elencar dois aspectos que praticamente todas as empresas estão vulneráveis: na área da política de proteção de dados pessoais, seara própria do direito digital, onde o desconhecimento das ações exigidas pela nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), podem sujeitar a empresa ao pagamento de multas que podem chegar a 2% do faturamento bruto anual ou a cinquenta milhões de reais, por incidente.
Outro campo de vulnerabilidade de largo alcance, é o que está associado a ausência de políticas de diversidade na empresa, campo fértil para o advento de condutas discriminatórias, preconceituosas e até mesmo de racismo. Os danos nessa área são imensuráveis, vez que se prolongam no tempo e podem eliminar todo um conjunto de esforços no sentido do fortalecimento da marca.
3- Recentemente tivemos casos extremamente negativos à imagem de empresas consolidadas, tanto no Brasil quanto no mundo, devido questões raciais, preconceito e intolerâncias dos mais variados tipos. Para o professor Vander: a educação é a arma mais eficaz para acabar ou ao menos minimizar todas essas problemáticas no 4 cantos do mundo?
Dr. Vander Andrade: Sem sombra de dúvidas, precisamos sim de educação. Contudo, temos para nós não ser suficiente a educação formal para proporcionar um giro e uma revolução nos modelos comportamentais sociais, uma vez que temos presenciado, com reiterada frequência, um grande número de condutas discriminatórias, preconceituosas e até mesmo racistas no ambiente empresarial, perpetrado por pessoas, não raro, de elevada escolaridade.
A nosso ver, torna-se necessário um processo de desconstrução de paradigmas e de reincorporação e de ressignificação de valores, como os da igualdade e os da solidariedade.
Somente quando tivermos assimilado a concepção de que todos vivemos um mesmo espaço de fraternidade e de absoluta necessidade de convivência harmônica é que poderemos superar os desvios da cultura tradicional, que houve justificar em alguma medida, ainda que de forma não ostensiva, a diferença entre seres humanos, o que deve ser reputado intolerável e inadmissível no atual estágio civilizatório.
4- Ainda sobre o tema mencionado acima. A imagem de uma empresa, depois de maculada, pode se recuperar? Quais dicas você daria para uma empresa ficar de olho em relação às questões jurídicas e legais que envolvem desde crimes de intolerância religiosa, até corrupção, dentre outras?
Dr. Vander Andrade: Crimes não são praticados por empresas. Crimes são praticados por pessoas. Ocorre que quando estas pessoas cometem crimes, muitas vezes o que se associa como prejuízo e dano à imagem institucional, é justamente o nome da empresa. Pessoas precisam ser treinadas, sensibilizadas e tocadas afetivamente. A educação e o treinamento profissional deve ser encarado como um processo de humanização. “Educare”, do latim, significa criar, nutrir, orientar, ensinar, treinar, conduzir o indivíduo de um ponto onde ele se encontra para outro que se deseja alcançar.
Refere-se à ação daquele que treina sobre aquele que é treinado, cujo objetivo se concentra no desenvolvimento mental e moral do colaborador, independentemente do patamar que ocupa na empresa.
Nesse tocante, penso que devemos prover uma técnica que mescle o tecnicismo cartesiano, lastreado em sólido conhecimento técnico com o sistema de “parturição de ideias” propugnado por Sócrates.
5- Como você define a corrupção empresarial?
Dr. Vander Andrade: A corrupção empresarial reflete uma das chagas sociais dos nossos tempos. Em verdade, sua origem parece estar no patrimonialismo, do qual nos fala Raimundo Faoro em sua obra “Os Donos do Poder”.
Esse patrimonialismo, que é a ideia de que aquilo que pertence à coletividade deve a mim pertencer, tem a sua fonte primária na corrupção pública, nas práticas criminosas dos governantes e dos funcionários do Estado.
Ocorre que para que estas condutas possam atingir os resultados ilícitos esperados, torna-se necessária a participação e o envolvimento das empresas, o que gera um estado de promiscuidade entre o público e o privado por demais deletério para a saúde orgânica da sociedade.
Mas há ainda a corrupção empresarial endógena, muitas vezes facilitada pela ausência de mecanismos eficientes de controle e de supervisão.
Felizmente, há um movimento crescente na direção do combate à corrupção empresarial, enaltecendo as pessoas jurídicas que possuem boas práticas de governança corporativa, refratárias aos comportamentos delituosos de agentes empresariais de todas as ordens e graus.
6- O que você nos diz a respeito da prática de Compliance nas empresas?
Dr. Vander Andrade: A adoção do Compliance ou de um programa efetivo e real de conformidade legal e normativa, representa uma das maiores conquistas da gestão empresarial contemporânea.
A prática de ilícitos no ambiente empresarial demandou, a partir da experiência inglesa e norte-americana, a necessidade de gerar valor ao negócio e assegurar a sobrevivência da empresa. A prática dos instrumentos próprios do Compliance decorre dos grandes impactos financeiros, ocasionados por fatores como desalinhamentos às legislações aplicáveis, falta de ferramentas preventivas adequadas, ausência de orientações normativas, falhas na gestão de processos, bem como operações sem um estruturado sistema de informação.
Desta forma, se uma empresa se encontra em compliance é o mesmo que afirmar que as práticas e rotinas empresariais estão em conformidade com as leis e regulamentos, internos e externos, observando as particularidades e especificidades de acordo com as atividades desenvolvidas por cada pessoa jurídica.
Mas o Compliance vai muito além do que conformidade legal e abrange ainda a elaboração e a aplicação de uma série de controles, que permitirão maior segurança e assertividade para aqueles que utilizam a contabilidade e suas variações financeiras para análise econômico-financeira.
Com isso adotam-se rígidos princípios de governança corporativa, protege-se o bom nome da empresa, e evitam-se prejuízos, tais como os causados à Odebrecht, que de empresa empregadora de mais de 200 mil funcionários, atualmente enfrenta dificuldades até mesmo para celebrar contratos de pequena e média envergadura e teve que reduzir os seus quadros em mais de 150%.
7- Muito obrigado pela sua atenção, Dr. Vander. O espaço é seu!
Dr. Vander Andrade: É possível alcançar o binômio “segurança da empresa e atividade empresarial arrojada”. No que se refere à segurança da empresa, uma série de medidas devem ser adotadas, às quais perpassam a conformidade legal, a criação de núcleos eficientes de controle, de modelos revisitados de relações de trabalho, pela atenção devotada aos contratos (desde a sua formalização até a sua execução), para a atenção especial para com os recursos materiais e humanos, nesse último requisito, sobressaindo a necessidade de contar com valores humanos diferenciados e de alta performance, o que somente se obtém com treinamento e educação contínua, inovadora e disruptiva
Nos tempos atuais, em face do aumento expressivo de conflitos e de acendrada litigiosidade, convém que as empresas adotem mecanismos preventivos, objetivando evitar que danos de grande monta possam impactar o bom nome da marca.
A mudança de comportamento dos colaboradores, o engajamento com os propósitos e missão institucionais, o compromisso com a qualidade e eficiência, devem ser precedidos pela incorporação dos conhecimentos técnicos seguida da implementação de práticas relacionais condizentes e adequadas às exigências da contemporaneidade.
O mundo vem mudando em alta velocidade, a revolução tecnológica tem impactado fortemente os seres, as famílias e os costumes, sendo certo que, diante desse quadro, as empresas precisam estar preparadas para o enfrentamento desses novos desafios, sob pena de se manterem vulneráveis à inúmeras ações judiciais e prejuízos de grande vulto, os quais podem a partir de uma gestão inteligente e prospectiva, serem neutralizados e coarctados, antes mesmo que evoluam de um estado embrionário para um de porte mais avançado.