1- Dra. Milliane Rossafa, antes de mais nada, obrigado por ceder seu tempo para compartilhar seu conhecimento com o público e nossos leitores.
Na palestra “Faça sua mente trabalhar para você”, você retrata a mente como uma “mansão mental” com pilares. Qual a origem dessa metáfora? Quais episódios da sua vida inspiraram esse modelo?
A metáfora nasceu da minha própria história. Quando criança, morei em uma casa enorme com minha família e meu avô, um lugar cheio de vida, mas também de conflitos e preocupações. Anos depois percebi que aquela casa era um reflexo da minha mente: bonita por fora, mas desorganizada por dentro. Ao longo da minha jornada profissional e pessoal, percebi que todos nós temos uma “casa interna” com pilares que sustentam nossa saúde mental. Reconstruir minha mansão mental foi o processo de me curar e hoje ensino outras pessoas a fazer o mesmo.
2- Muitos colaboradores dormem mal, acordam exaustos e entram no ciclo de fadiga. Quais são os indícios mais sutis de que a qualidade do sono já está comprometida e precisa de intervenção?
Antes da insônia chegar com força, o corpo dá sinais sutis: dificuldade de concentração, irritabilidade, queda de produtividade e sensação de “mente turva”. Muitas pessoas normalizam o cansaço, mas o sono é o faxineiro do cérebro. Quando ele não limpa bem, as toxinas mentais se acumulam e a mente começa a falhar em pequenas coisas, como esquecimentos, impulsividade e falta de empatia. Esses são alertas silenciosos.
3 – Quando alguém já está num ciclo de insônia e stress, que passos práticos e imediatos você recomenda para iniciar a reversão, mesmo que gradualmente (ex: no primeiro dia, na primeira semana)?
Comece pequeno. No primeiro dia, defina um ritual de encerramento do expediente: anote o que ficou pendente, desligue telas e troque de roupa como símbolo de transição. Na primeira semana, estabeleça horários fixos para dormir e acordar, evite cafeína à tarde e crie um ambiente escuro e silencioso. Dormir é um treino, e o cérebro precisa de rituais para entender que agora é hora de descansar.
4 – Como nossas crenças negativas e feridas emocionais impactam nossa forma de ver o mundo e de nos relacionarmos, especialmente no ambiente de trabalho e contexto corporativo?
As feridas da infância — abandono, rejeição, traição, injustiça e humilhação — moldam as lentes com que enxergamos o mundo. No ambiente corporativo, elas se manifestam em máscaras como o perfeccionismo, o controle excessivo e a necessidade de agradar. Cuidar da mente é reconhecer que nossas reações muitas vezes são eco de feridas antigas, não apenas respostas ao presente.
6 – O que você costuma observar de comum nos ambientes corporativos onde a saúde mental já está em colapso silencioso? Existem sinais visíveis que os gestores ignoram?
Ambientes em colapso têm um padrão: líderes esgotados, equipes reativas e clima de cobrança sem pausa. O humor muda, o absenteísmo aumenta e o brilho nos olhos desaparece. O problema é que, como o burnout é invisível no início, muitos gestores só percebem quando o “incêndio mental” já se espalhou pelos corredores.
7- Você costuma dizer que “o cuidado começa no simples”. Por que isso é tão difícil no contexto empresarial atual, onde o básico (como dormir bem e respirar com calma) parece um luxo?
Porque confundimos intensidade com importância. Vivemos uma cultura que romantiza o cansaço e considera descanso um luxo. Mas o básico — respirar, dormir bem, se alimentar de forma adequada — é o que sustenta o extraordinário. Cuidar do simples é revolucionário no mundo corporativo.
8 – Você já observou resistências comuns que impedem as pessoas de adotar hábitos físicos mesmo quando sabem da importância (por ex: “não tenho tempo”, “não mereço”)? Como romper essas resistências?
As resistências mais comuns são: “não tenho tempo” e “não mereço parar”. Por trás delas há crenças de desvalor e medo de parecer fraco. O antídoto é começar com micro-hábitos: cinco minutos de movimento, dez minutos de respiração. A ação vem antes da motivação, o corpo muda quando você vai, não quando você quer.
9- As janelas da mente – aquilo que deixamos entrar (pensamentos, críticas, notícias, reclamações) — são especialmente difíceis de controlar no ambiente de trabalho. Quais práticas você sugere para filtrar o que permitimos entrar em nosso “lar mental”?
Tudo o que entra pelos sentidos — músicas, notícias, conversas — molda nossa energia mental. No trabalho, pratico a auditoria das janelas: observar o que tenho permitido entrar, como isso me faz sentir e o que posso ajustar. A pergunta-chave é: isso me serve ou me intoxica?
10- Em equipes onde muito se reclama ou externaliza culpas (“é culpa do outro”), como você ajuda líderes e colaboradores a desenvolverem uma postura mais autorresponsável sem gerar culpa excessiva?
Autorresponsabilidade não é autopenalização, é consciência. Eu costumo dizer aos líderes: “Você não é culpado por tudo, mas é responsável pelo que faz com o que acontece.” A mudança começa quando a equipe entende que reclamar é um vício mental e escolher outra postura é libertador.
11 – É comum encontrar em muitas empresas a ideia de associar produtividade a longas jornadas e pressão constante, o que obviamente traz enormes prejuízos a todos os envolvidos. Como é possível desmistificar essa crença?
Produtividade não é sobre trabalhar mais, mas sobre manter a mente limpa e o corpo funcional. Um cérebro sem descanso é como uma casa com fios queimando por dentro. Empresas precisam compreender que descanso é estratégia, não fraqueza.
12 – Em contextos corporativos, com pressão por resultados e prazos apertados, como você sugere que líderes promovam cultura de saúde mental sem “parecerem permissivos” ou perderem autoridade?
Liderar com empatia não é permissividade, é inteligência emocional aplicada. Líderes que respiram, ouvem e estabelecem rituais de pausa inspiram mais respeito do que medo. Autoridade saudável é a que cuida e cobra com coerência.
(Continua na parte 2…)
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