1- Charles, muito obrigado por dedicar um tempo para essa entrevista. É um prazer poder conversar com uma das vozes mais respeitadas em inovação no Brasil. Para começar, como você enxerga a inovação na prática, dentro do contexto corporativo e como aplicá-la ou desenvolvê-la de forma efetiva?
A gente se acostumou a associar inovação com a última tecnologia disponível, mas é muito mais simples do que isso. Inovação, no fim do dia, é sobre resolver problemas reais, de pessoas reais. Então, no contexto corporativo, estamos falando de desenvolver soluções para os Clientes e também para os Colaboradores, melhorando suas relações, processos e resultados.
2-Você comentou que iniciou a área de inovação da Leroy Merlin em 2012. Quais foram os maiores desafios e aprendizados dessa jornada pioneira no intraempreendedorismo?
A inovação corporativa como conhecemos hoje, nasceu com a chegada do primeiro iPhone, no final de 2008. Mais do que isso, com a chegada da AppStore, mais de um ano depois.
O que havia até então eram processos de Pesquisa & Desenvolvimento, em empresas de setores como a Indústria Farmacêutica, Aeroespacial, de Exploração de Petróleo, etc.
Foi o iPhone e a AppStore que permitiram que uma Startup chegasse virtualmente a 8 Bilhões de pessoas.
Então, em 2012, ainda era tudo “mato”. Eu comecei na Leroy Merlin por Intraempreendedorismo, enquanto que Italo Flammia começava a desenvolver a Oxigênio, na Porto Seguro, primeira aceleradora de Startups e o Flávio Pripas batia na porta do board do Itaú para criar um negócio chamado “Cubo”.
Não havia benchmarking. Não havia referência que pudesse nos ensinar.
Aprendemos e desenvolvemos cada um a sua disciplina que depois, somadas (Intraempreendedorismo, Open Innovation, Venture Building e Venture Capital) formam o mais completo Framework de Inovação.
3- O que significa, na prática, aplicar o conceito de “ambidestria corporativa” em uma organização?
Quando a gente vai chegando ao último trimestre do ano, as empresas começam seu planejamento estratégico do ano seguinte.
Esse planejamento estratégico inclui também o orçamento do próximo ano. O objetivo da empresa é sempre crescer algo como inflação + um delta real e, em cima deste número são definidos os orçamentos das áreas com CAPEX e OPEX.
Na prática, esse ritual, “condena” as empresas a fazerem mais ou menos a mesma coisa no ano seguinte.
Mas, e se no ano seguinte surgir uma tecnologia nova, uma regulamentação nova, um concorrente novo?
Eu defendo que tenhamos uma área de inovação, com um bolsão orçamentário que permita às áreas de negócios de testar coisas novas.
Seja uma inteligência artificial nova, seja uma Startup que tem alinhamento com o modelo de negócios.
No fim do dia é isso que vai permitir a empresa de explorar novos segmentos de mercado, abarcar novas tecnologias e explorar o desconhecido para trazer resultados significativamente diferentes.
4- Revele pra gente aqueles que você considera os maiores erros em empresas que tentam equilibrar inovação com a operação tradicional?
Claramente o que mais falta é a definição de um apetite de risco. Este apetite precisa contemplar tempo e dinheiro.
Veja com o CAPEX e OPEX definido em planejamento estratégico eu não posso errar. E, inovação é território desconhecido. Então, qual a segurança psicológica que os colaboradores têm para testar algo novo de fato?
Quando existe uma área de inovação, com orçamento e um apetite de risco calculado, você passa a poder errar.
E, a matemática não falha. Um acerto paga todos os erros e sobra!
5- Como você orienta a estruturar o framework inicial de inovação para empresas que estão começando do zero nesse processo?
- Definir o Apetite de Risco (tempo e dinheiro por ideia)
- Definir o Responsável de Inovação e seu orçamento
- QuickWins – Para empresas que operam no lucro real e auferem lucro, obter rapidamente os ganhos com a Lei do Bem – Em geral, é suficiente para bancar todos os custos de inovação, incluindo sua folha.
- Iniciar o mapeamento dos problemas de negócios e lançar chamadas públicas de Startups
- Iniciar a jornada de Intraempreendedorismo com um programa de ideias ou Hackathon.
6- Quais indicadores são mais eficazes para mensurar o ROI em projetos de inovação?
O primeiro, sem dúvida nenhuma é orçamento vs. incentivos captados.
Depois podemos estabelecer um funil:
Número de Ideias testadas (Intraempreendedorismo e Open Innovation)
Número de ideias com KPI’s positivos
Número de ideias com rollout (ou seja, que viraram ativos ou processos da companhia)
7-O que diferencia uma empresa com cultura de inovação daquelas que apenas fazem ações pontuais?
Uma empresa com cultura de inovação ativa, é vívida em momentos de transformações radicais como a chegada de novas tecnologias, concorrência ou regulamentação. Um problema vira logo uma oportunidade e a empresa se torna mais ágil.
Uma ação pontual é só um projeto que só dá orgulho a quem participou dele.
8- Como líderes podem criar ambientes seguros e colaborativos para a inovação florescer de forma genuína?
Em primeiro lugar, olhando para seus próprios processos. Compras, Jurídico, RH, Segurança da Informação… Estes líderes estão habilitando a inovação acontecer ou estão apenas preocupados com os seus próprios indicadores e processos agindo como anticorpos da inovação?
Depois, confiando ao time de inovação suas dores e problemas reais para que possam ser resolvidos através de metodologia ou com a participação de Startups.
Entendendo também que eventualmente as primeiras tentativas podem dar errado e que se isso estiver pactuado, está tudo bem. Por isso reforço a importância do Apetite de Risco.
9- Em sua palestra sobre cultura de inovação, você apresenta frameworks práticos. Pode compartilhar um exemplo aplicado com sucesso?
No Banco Carrefour materializamos 100% do Framework:
Inovação Incremental/Intraempreendedorismo: Um programa de ideias que permitia a qualquer colaborador, a qualquer momento do ano dar uma ideia para melhorar seus processos.
Inovação Radical/Open Innovation: Os StartupJam’s eram sessões de Design Thinking conjuntas entre áreas de negócios e Startups que podiam trazer tecnologia e competência novas para seus processos.
Inovação de Ruptura/Open Innovation: A BeOcean se tornou a aceleradora das Startups estratégica do Banco.
Inovação Arquitetura/Intraempreendedorismo: Os Digital Hacking Days (Hackathons) eram provocativos e tinham foco no desenvolvimento de novos modelos de negócios.
Venture Capital: Participamos de 3 fundos FIP de investimentos em Startups – 2 no Brasil e 1 em Israel, com troca de tecnologia entre as aceleradas por nós e as participantes do fundo.
Venture Building: Criação de novas empresas dentro da empresa. Uma das ideias do Hackathon virou uma iniciativa que depois se fundiu a uma iniciativa global e hoje se chama Unlimitail.
10- Em quais áreas ou setores você acredita que ainda há grande resistência à inovação e por quê?
Sem dúvida alguma nos setores mais regulados como o Financeiro ou Farmacêutico. No fim do dia, o agente mais inovador do setor bancário continua a ser o BACEN. Foi ele quem puxou a agenda do PIX e também de Open Finance, elementos que causaram verdadeiras revoluções.
As empresas deste setor ainda são reativas aos reguladores e há muito espaço para inovação, especialmente nos processos.
Não à toa, surgem concorrentes que em um dia aparecem apenas como uma “marca legal” e no outro despontam como líderes de mercado.
11- Quais são as tendências mais relevantes que você acredita que os líderes precisam acompanhar nos próximos anos?
Eu costumo dizer que o futuro é um fenômeno não só temporal, mas também demográfico e geográfico. Em outras palavras, o nosso futuro já existe e, ele apenas não está disponível para a gente ainda.
O nosso futuro neste momento está em ambientes frequentados pelos super ricos, nas universidades com pesquisa aplicada, na indústria de exploração espacial, em sociedades como a China e os EUA e, em laboratórios esportivos como a F1.
Mais do que apontar para tecnologias mais “óbvias” que definirei aqui como Inteligência Artificial, Computação Quântica e a evolução da Internet Móvel (5G, 6G, 7G) habilitando fortemente IoT, convido os líderes a explorarem. Explorar novos segmentos, novos países, novas culturas.
(Continua na parte 2…)
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