1- Palestrante Ana Rodrigues, é com imenso prazer que a recebemos para esse bate papo sobre temas tão relevantes. Seja bem-vinda ao time da Palestras de Sucesso!
Pra começarmos, você é uma das grandes referências no mercado quando o assunto é liderança e liderança feminina. Uma dor recorrente, relatada por profissionais que atuam na posição de líder é muitas vezes não saber exatamente como fazer escolhas assertivas e estratégicas, capazes de promover os resultados esperados pela organização.
Sabemos que não há receita de bolo ou fórmula mágica, mas diante de tamanha expertise, quais orientações você pode compartilhar com aquele ou aquela profissional que deseja aprimorar cada vez mais nessa questão, afiando o machado para estabelecer estratégias eficazes para a empresa?
Realmente não há uma receita. É preciso desenvolver senso crítico e capacidade de observação para encontrar as melhores alternativas.
Costumo dizer que o que nos leva a liderança são nossas competências técnicas, mas o que nos mantém lá além dos resultados alcançados para a organização, é nossa inteligência emocional para lidar com as pessoas, os conflitos e as negociações do dia a dia.
Perceba que tudo de certa forma, passa por pessoas, pela forma de se relacionar e encarar os desafios, ou seja, comportamento. Então na minha forma de ver a liderança, é preciso gostar e entender de gente, de comportamento humano para você melhor conduzir negociações, escolher pessoas certas para lugares certos e engajá-las na direção certa. Claro, nesse contexto, não há como separar conhecimento.
A liderança precisa estar preparada, ter informações atualizadas, reais e estar rodeada de uma equipe técnica preparada para respostas rápidas e fundamentadas. Decisões e escolhas assertivas passam por ter informação qualificada que irão munir sua decisão.
2- Quais as características essenciais de uma líder transformadora, de acordo com a sua visão e experiência? Como se empoderar dessas características?
Autoconhecimento é algo que tem um valor fundamental para qualquer processo de transformação. A liderança transformadora é aquela capaz de transformar a si à partir do autoconhecimento, e colaborar com a transformação dos outros.
Eu me tornei líder muito jovem e acreditava que tudo o que eu precisava era saber mais sobre mais coisas. Hoje tenho certeza que preciso saber o que sei, saber mais sobre novas coisas e de novo conhecer muito sobre habilidades comportamentais, exercitar desenvolvimento de competências básicas para sua atuação.
A liderança transformadora precisa saber seu papel na gestão, ser objetiva, focada mas com uma visão ampliada sobre negócios e soluções, resiliente e colaborativa. Ela é mais horizontal do que hierárquica e para tudo isso ser parte de sua capacidade, estar disponível para o aprender e o ensinar. Quando você se enxerga de forma humanizada seu papel, você entende o poder de ser uma pessoa, antes de ser um cargo.
3- Falando um pouco sobre Empoderamento Feminino e Equidade de Gênero: Quais são os principais obstáculos enfrentados pelas mulheres no caminho do empoderamento pessoal e profissional? De que maneira encará-los e superá-los?
Vivemos um momento de grandes transformações e, mesmo que a equidade seja uma pauta e que o cenário seja favorável para as questões de gênero serem resolvidas, ainda falta muito.
Eu prefiro comemorar as vitórias, mas não posso deixar de considerar os obstáculos, afinal eles são reais. A discriminação de gênero ainda é um deles e, no universo corporativo, isso é demonstrado com o preconceito que se traduz em menos oferta de oportunidades para promoção profissional de mulheres, diferenças salariais, assédio moral e sexual, baixa representatividade em alguns segmentos.
Quando uma mulher é impedida de assumir uma posição na alta gestão, quando empresas não destinarem às mulheres mais espaços profissionais em áreas ditas masculinas, estamos desencorajando de forma silenciosa outras mulheres. Isso tudo também é colaborado pelas próprias crenças presentes na maioria das mulheres no que chamamos de vieses inconscientes, que são aquelas crenças plantadas na nossa cultura e educação, que fazem meninas e mulheres se acreditarem menos competentes, menos capazes.
Empoderar-se é acreditar no seu poder de realizar, fazer, conquistar. Não é esperar que alguém te abra portas, é bater nas portas escolhidas e marcar presença naquilo que elegeu como sua jornada. Por isso é tão importante ter mais exemplos de mulheres em posições de liderança, bem sucedidas em suas escolhas e puxando outras para o topo. Para encarar os desafios, coragem, para superá-los, ação.
4- É comum, muitas vezes, nos depararmos com belíssimos discursos no meio corporativo, em relação à equidade de gênero, e vermos na prática, pouca ou nenhuma ação neste sentido. Como as empresas podem, efetivamente, criar ambientes de trabalho mais inclusivos e promover a equidade de gênero? Durante sua jornada, se lembra de algum exemplo de empresas que saíram do discurso e partiram para a ação?
Verdade, é muito comum falas e eventos no mês da mulher dando ênfase ao tema. Mas se a empresa quer verdadeiramente trabalhar diversidade e colocar em prática seu discurso, é essencial ouvir quem vive na pele a discriminação e a dor.
Criar comitês para construir essas soluções é um ótimo caminho e pode ser a melhor solução para engajar as pessoas na construção e implantação de uma cultura baseada na equidade. Vi sim algumas empresas tirarem o conceito do papel para se tornarem referência.
As multinacionais tem feito essa transição com maestria. A Coca-Cola, a JDE, são alguns exemplos e há também um movimento avançando no Itaú.
O importante é começar, saber que quando se começa é caminho sem volta e entender principalmente, que os avanços sociais não são modismos, é parte da evolução da sociedade, é demanda da sociedade e exigência dos clientes. As empresas precisam entender que seus posicionamentos e a forma como conduzem sua cultura, quando alinhados com a sociedade, podem ser razão para crescer o número de clientes e ampliar lucratividade. Quem sabe olhando por esse ângulo, não repensem diretrizes.
5- Quais as crenças que precisamos vencer para entender a importância de homens e mulheres estarem juntos nessa conquista por equidade de gênero nas empresas?
Primeiro entender que se somos maioria na sociedade, precisamos aproximar o número de homens e mulheres em posição de liderança, se somos a maioria no nível de escolaridade superior, precisamos ampliar o número de mulheres ocupando a alta gestão.
É importante entender que não é uma guerra dos sexos. Não se trata de mulheres serem melhores que homens, nem de mulheres poderem mais que homens.
É sobre mulheres também serem boas, competentes e trazerem consigo habilidades importantes e complementares para, junto com os homens, gerarem excelência e um cenário lucrativo para as organizações. Depois entender que não é sobre mulheres dominando o mundo, mas sobre mulheres também dominando temas, assuntos, decisões, porque o mundo não é unilateral, o mundo é diverso.
Por fim e nao menos importante, entender que equidade de gênero é o primeiro degrau para avançamos em direção a outros equilíbrios de índices de diversidade. Equidade de gênero na empresa é saúde no ambiente de trabalho.
6- Você cita diversos benefícios de se contar com mulheres na liderança, o que demonstra que tal fato vai mais além do que a questão de equidade. Além do crescimento econômico, e de gerar maior lucratividade para as empresas, você afirma que a liderança feminina promove maior engajamento de equipes para um ambiente mais adaptado ao futuro do trabalho. Sendo você uma profissional que tem propriedade e lugar de fala no tema, quais aspectos da liderança feminina estimulam e ajudam a promover tantos benefícios na esfera corporativa?
São muitos séculos cuidando, administrando funções, atuando e pensando de forma múltipla. Isso já nos daria biologicamente comprovadas competências atualmente exigidas e necessárias para viver as transformações do mundo e mais preparadas para as profissões do futuro, mas vou complementar que mulheres quando se permitem usar todas essas habilidades, têm uma tendência a serem mais humanizadas e preparadas para lidar com a nova sociedade nas empresas e isso traz um ambiente mais colaborativo com olhar aberto a novas formas de pensar e fazer. A gestão é menos cartesiana e isso favorece os negócios e o ambiente.
7- Como a desconstrução dos estereótipos de gênero pode contribuir para a promoção da equidade dentro da empresa?
Sem essa desconstrução não avançaremos muito. Há muitas crenças que tornam as vezes homens em vilão e mulheres em mocinhas e não se trata disso. A quebra de paradigma está em reconhecer as competências de cada um, as habilidades, e a forma como ambos, se colaborando, podem ir mais longe.
8- Como a mulher deve se posicionar para conseguir ocupar espaços de liderança? De que forma o posicionamento pode mudar a jornada feminina, rumo a este lugar que também lhe pertence?
É preciso sairmos deste lugar de demérito. Uma pesquisa feita anos atrás, demonstrou que mulheres se candidatam a processos seletivos apenas se cumprirem 100% dos requisitos exigidos enquanto os homens se candidatam se preencherem apenas 60%. Isso está diretamente ligado à questão da autoestima, da autoconfiança e da crença de que somos menos.
Esse estudo mostrou que nos candidatamos 20% menos as vagas, exatamente pela mesma questão, ou seja, temos dificuldade de acreditar no nosso valor. Passamos séculos ouvindo que isso não é coisa de menina, que mulheres não podem isso, nem aquilo, que você não está pronta para essa vaga, que homens são melhores que mulheres para essa ou aquela função. Sendo assim, a principal posição a ser assumida é a de autovalorização, reconhecer seus talentos com segurança e lançar-se mais.
9-Você cita como referências em sua carreira, 3 nomes. Comente um pouquinho sobre cada um deles e qual a principal inspiração ou ensinamento que essas pessoas trouxeram para sua vida:
Lígia Fascioni: A Lígia tem uma história incrível que versa sobre a engenharia, literatura e inovação, a mudança de rumo da própria carreira. Isso me fascina, porque demonstra coragem, resiliência e uma incrível capacidade de reinvenção. Assistir sua palestra me inspirou a desenhar minha jornada e acompanhá-la em suas publicações é inspiração para o novo e para o constante aprender.
Suzana Pires: A Suzana também é inspiração . Uma atriz empreendedora, tem uma visão de mundo excepcional. Ela construiu uma rede de apoio para mulheres, auxiliando-as a pensar seus próprios caminhos, fortalecendo suas forças e capacidades. Oferece cursos em seu instituto, mentorias e conseguiu agregar seu universo artístico à serviço de outros talentos, trazendo muitas outras grandes mulheres para apoiar as jornadas no Instituto Dona de Si.
Silmara Olivio: Essa é uma competente executiva da Coca-Cola. Está na alta gestão da Coca-Cola Company onde realiza uma admirável liderança. Forma pessoas, toca negócios e merece todos os aplausos pela trajetória que construiu e de como soube lidar com erros e acertos a seu favor. Trabalhamos juntas na BASF e sabíamos como foi difícil vencer as barreiras de sermos executivas, mulheres e jovens em empresas predominantemente liderada por homens. Ela foi e continua indo muito além de todas as expectativas.
10 – Partindo agora para o desenvolvimento de habilidades do século XXI: Quais são as competências-chave para o sucesso profissional?
As competências não são muito diferentes do que sempre foi exigido, talvez agora, porém, sejam mais necessárias. Falo sobre conhecimento, pensamento crítico, capacidade de se relacionar e desenvolver a inteligência emocional para viver os movimentos, as mudanças na velocidade que se apresentarem, com maior resiliência e visão holística. Capacidade de adaptabilidade será essencial para novas formas de trabalhar e viver novas profissões.
11-Um tema em alta são os modelos de trabalho flexíveis: quais os benefícios e desafios para empresas e colaboradores, que você poderia destacar e como chegar em um meio termo, capaz de agradar gestores e funcionários?
O trabalho flexível já vinha sendo discutido pouco antes da pandemia, até mesmo como uma alternativa para ampliar a empregabilidade e construir novas oportunidades profissionais, além é claro, de promover maior qualidade de vida. Há pessoas que se adaptarão, outras não. Há empresas que permitirão, outras não.
Empresas e profissionais precisam estar disponíveis para o novo e encontrarem a melhor forma de se adaptarem ao movimento global. Por isso falei de resiliência na pergunta anterior.
O trabalho flexível vem sendo experimentado, as pessoas e as empresas puderam vivenciar o que funciona e o que não, nessa modalidade. Eu penso que não há muito porque resistir às mudanças.
Elas vem em resposta a mudança do mundo e é necessário estamos dispostos a olhar esses movimentos como oportunidades. Cada empresa deverá avaliar o que cabe na sua cultura e aos profissionais, cabe entender e escolher aquele modelo que melhor conversar com suas expectativas de vida. Não há receita.
12-Como você tem enxergado o contexto atual do mercado de trabalho? Quais são as oportunidades e ameaças trazidas pela tão falada Inteligência Artificial e automação?
Vejo com curiosidade. Toda revolução industrial trouxe ameaças para o mundo do trabalho, mas também provocaram novos aprendizados para que as pessoas se desenvolvessem em novas habilidades e competências. Agora não é diferente.
Falamos de I.A faz algum tempo, mas queremos olhar pra isso como se fosse algo novo. Há tempos estamos construindo tecnologias mais ágeis e hábeis para garantir produtividade em escala.
O homem está usando sua inteligência para criar máquinas capazes de operar melhor e mais rapidamente, atividades que levaríamos mais tempo para fazer e com maior probabilidade de erro. Foi assim desde a invenção da roda.
O que acontece é que talvez, hoje, estejamos mais rápidos na entrega da I.A do que na formação de profissionais para operar em novas profissões. No nosso país onde temos um gap de escolaridade e modelos de educação que ainda insistem em formar para um mercado que não existirá mais, será preciso construir uma nova escola, com olhar para esse novo mundo, atenta para essas novas profissões e para o que será exigido de nós. O futuro sempre existiu e sempre existirá o que temos a fazer é embarcarmos nessa viagem preparados pra ela.
13- Que ações o profissional moderno deve adotar para se manter relevante, em um mercado de trabalho tão dinâmico e em constante mutação? Como os líderes podem se adaptar e liderar com sucesso neste cenário?
É o que já falei, manter-se atualizado, com a mente disponível para aprender e questionar, ser curiosa. O que sabemos até aqui é importante, mas não é suficiente para o que virá pela frente.
O livro DNA DO INOVADOR, que aliás recomendo, fala sobre as habilidades da mente inovadora que eu convido vocês a começarem a pensar sobre elas, sejamos líderes ou liderados. O livro fala sobre questionar, observar, conviver com o contraditório, cultivar networking, como habilidades essenciais.
Aliás, mentes geniais ao longo dos séculos tentaram e erraram muitas vezes antes de acertarem e esse movimento não deve ser entendido como fracasso, mas como um exercício.
O futurista Paul Saffo disse: “Os pináculos do sucesso são construídos sobre os escombros do fracasso.”. Se você quer se manter atual e presente nesse mundo do futuro, ative mais seu lado direito do cérebro, ative mais o sentir e o interpretar , do que sua visão lógica e linear. Disrupção é e será exercício, cada vez mais cobrado nessa jornada.
14- Na sua concepção, a diversidade e a inclusão impulsionam a inovação e a criatividade nas organizações? Se sim, quais práticas a gestão pode lançar mão para estimulá-las?
Diversidade e inclusão fala sobre os rumos sociais e as práticas de comportamentos que o mundo quer adotar para ser um lugar de todos e para todos. A criatividade é sim impulsionada por elas, não digo que seja um impulsionador da inovação, mas são uma nova ordem essencial para provocar uma mudança de mindset e aí sim, com uma sociedade mais respeitosa e igualitária, teremos mais ambientes para outras mudanças, inclusive a inovação.
Para estimular inovação e criatividade na organização, mude o mindset da direção da empresa. Toda mudança começa de cima para baixo e novos comportamentos só serão propagados e praticados se tivermos uma nova cultura. Construir pensamentos em grupo, montar workshops para pensar a empresa com a participação de todos, ou mesmo pensar soluções para alguns problemas do dia a dia, com pessoas de áreas diferentes, por exemplo, pode ser um bom começo para o exercício do novo, criativo e disruptivo.
15- Você comenta que a participação feminina no mercado de tecnologia cresceu pouco mais de 60% nos últimos seis anos, mesmo assim, ainda há muitas barreiras a serem vencidas. Conta pra gente quais são as principais barreiras a se quebrar neste sentido e como isso poderia ser feito.
Começa dentro de casa a ausência de estímulos às filhas, por profissões nesse segmento. Meninas não podem sonhar em serem astronautas, meninos sim, não podem sonhar em serem astrofísicas, meninos sim.
A principal barreira são as crenças que chegam ao mercado de trabalho. A de que mulheres não são boas nas áreas de exatas, de que mulheres são muito sensíveis, mulheres não tem inteligência pra isso. Outra é o preconceito de que mulheres têm filhos e por isso não conseguirão se dedicar como precisam ao trabalho.
Eu só quero lembrar, que Ada Lovelace foi uma matemática que lá pelos idos de 1800 criou o primeiro algoritmo para ser processado por uma máquina, uma máquina para computar valores de funções matemáticas. Assim como ela, eu poderia citar outras tantas. Ela é apenas um dos exemplos na história, de mulher que fez grandes contribuições com a ciência e a tecnologia. É preciso quebrar hábitos que trazem desculpas “verdadeiras”. Os processos seletivos precisam ser mais isentos.
(Continua…)