1- Palestrante Telma Delmondes, é uma honra contar com sua presença para este bate papo. De início, como fazer para que os líderes valorizem a segurança psicológica e o compartilhamento de vulnerabilidades nos ambientes de trabalho? Qual o passo a passo neste sentido?
Inicialmente, é preciso compreender a força do conceito de segurança psicológica criado por Amy Edmondson, da Harvard Business School, em 1999. Eu considero que esse conceito dá uma abertura para conversas mais profundas no ambiente de trabalho. A partir desse conceito entramos em uma conexão com os indivíduos, equipes e a organização passa a ser um veículo de expressão da nossa alma e exercitamos toda a nossa vulnerabilidade com segurança de ser quem somos.
Existem várias formas dos líderes valorizarem a segurança psicológica, começando pela criação de uma ambiente em que as opiniões, ideias, divergências são acolhidas. Os problemas são colocados de modo mais assertivo sem a preocupação de ter retaliações de gerentes que ainda vivem no modelo de comando e controle. Outras formas é o respeito à diversidade humana, tão exigida nos últimos tempos. Ter mente aberta e uma liderança mais humanizada é uma ponte para um ambiente saudável e inovador. Os erros se transformam em aprendizado e os acertos são compartilhados por todos.
2- Que dicas você pode dar para que os líderes busquem sempre sua melhor versão e valorizem as pessoas?
O líder moderno, humanizado e engajado nas causas da humanidade, busca o autoconhecimento como premissa para sua própria evolução. Compreender seu mindset, entender seu próprio comportamento diante dos desafios da liderança e ter um propósito claro é um bom começo . O propósito funciona como uma ponte que une o líder aos stakeholders.
A partir do seu “dever de casa” ele pode promover uma transformação em si mesmo e a partir dessa consciência ser um facilitador do desenvolvimento da equipe, de forma mais consciente e consistente. Estamos vivendo um mundo de aceleradas transformações e os líderes precisam criar um ambiente e cultura onde todos queiram participar, fazer parte, ser parte.
3- Como recuperar o engajamento das equipes quando há uma conexão emocional, comportamental e cognitiva perdida?
O engajamento é considerado atualmente como uma estratégia humanizadora das organizações em relação às suas equipes. Ter desempenho, lucro, resultados já não garante a perenidade das organizações. O engajamento passa a ser relevante, principalmente quando as tecnologias digitais podem distanciar as pessoas ou aproximá-las. É de responsabilidade do líder resgatar esse elo perdido da conexão com as pessoas, do engajamento das equipes. O desengajamento é uma questão que não vem sendo trabalhada nas organizações e tratada como desmotivação pontual ou crônica que se justifica sempre como uma questão cultural.
Recuperar o engajamento das equipes demanda um conjunto de ações e de relacionamentos que potencialize a sensibilidade das pessoas, adequar pessoas às tarefas que promovam o entusiasmo dos indivíduos fazendo com que elas possam vibrar sem necessitar de recompensas imediatas. O engajamento passa também pelo orgulho em fazer uma contribuição quando se é sensível ao propósito da organização.
Criar uma organização que seja lucrativa, mas não às custas do sofrimento humano, hoje, uma epidemia nas organizações.
4- De que forma novas tecnologias podem ser usadas para melhorar o aprendizado e engajamento das equipes?
A tecnologia digital pode ampliar os níveis de engajamento pela disponibilidade de aprendizado e desafios que são impostos às pessoas. As pessoas podem trabalhar de forma independente e ao mesmo tempo, de forma colaborativa, enriquecendo as tarefas. As formas mistas de uso da tecnologia (presencial, on-line, híbrido)gera oportunidades de acesso ao processo de aprendizado personalizado assegurando que as diferenças individuais sejam observadas na sua essência.
5- Diante de toda sua experiência, o que é possível colocar em prática para promover autonomia e reconhecimento dos colaboradores para renovar as energias do time, estimulando assim a performance e motivação?
A sociedade vem evoluindo, mas as formas de gerir pessoas ainda estão em processo de evolução, não se configurando ainda com o exercício da autonomia de forma geral. Considero que a construção de um plano estratégico, de forma compartilhada e sendo comunicado em tempo real aos colaboradores de base técnica e operacional pode desencadear um movimento de autonomia em relação ao que precisa ser feito, se for bem delegada às metas e ações, além de ambientes saudáveis e com segurança psicológica.
Por que precisamos de autonomia? Autonomia significa que o indivíduo tem a capacidade de se governar, de se autodeterminar pelos meios próprios. O anseio de autonomia e de reconhecimento parece estar no âmago da nossa alma. Aflige-nos ser microgerenciar sem ter a chance de ser autoral. Precisamos exercer o nosso potencial e usar a criatividade para inovar fazendo a diferença. Esse desejo de ser reconhecido é eterno e nos impulsiona sempre apaziguando o nosso coração. Ainda testemunhamos nas organizações, ambientes tóxicos que geram prejuízos emocionais e laborais pelo stress que causam às pessoas sob seu domínio. Infelizmente metade da humanidade está vulnerável e perdendo a vida ao tentar ganhá-la com seu trabalho. A questão é que a situação econômica do país e do mundo inviabilizam qualquer movimento das pessoas, fazendo com que elas permaneçam em locais de trabalho que não são bons.
6- Como reduzir a resistência às mudanças dentro das equipes?
Muitas são as teorias em relação sobre a resistência dos indivíduos no contexto das mudanças nas organizações. Cada pessoa interpreta a mudança à luz de suas mudanças, falham na estratégia de comunicação e na forma de envolver as pessoas desde o início do processo. Colaboradores interesses, significados e perdas. Muitos projetos de são marginalizados em momentos importantes da mudança, gerando descontentamento que se transforma em resistência. A resistência é uma força de quem se sente pequeno, menor, irrelevante e por isso resiste.
Ao estabelecer uma visão compartilhada do que se pretende fazer, os líderes evitam criar um clima de incerteza, de insegurança, de medo da mudança, de perda material também, apesar de que toda mudança pode desencadear perdas, mas os benefícios são enormes.
7- Gestores e líderes muitas vezes encontram dificuldades quando o assunto é feedback. Como coletar e fornecer feedbacks de forma construtiva para a evolução individual e coletiva?
Um grande desafio das organizações é a comunicação e o feedback é um importante instrumento que os líderes têm para desenvolvimento de pessoas através do diálogo . Feedback se configura como uma forma de relacionamento entre líderes e liderados, podendo criar um ambiente de confiança, de entendimento, integração e de motivação para o trabalho.
O feedback pode se tornar um aliado do líder-gestor em virtude da sua capacidade de estabelecer uma conversa positiva, mas pode vir a ser um pesadelo quando não há tratativa correta das questões objeto do feedback. A necessidade de superar as dificuldades ocorre em todas as camadas da organização, independente do nível hierárquico. Daí a importância da humanização como prática para evitar o que chamamos de feedback negativo. A forma, a empatia e a postura de quem dá o feedback fará toda a diferença para quem recebe quando são avaliados no ambiente de trabalho. Obter informações sobre a tarefa,investigar as consequências do trabalho e escolher a melhor forma de abordagem demonstra a maturidade da liderança. A falta de feedback pode criar percepções distorcidas na mente dos colaboradores e o excesso leva a um microgerenciamento nocivo e prejudicial ao desenvolvimento da equipe.
8- Comente sobre 5 estratégias para trabalhar as demandas individuais e coletivas em equipes para potencializar a sinergia
Pessoas é o que existe de mais importante em um negócio. Costumo dizer que não existem negócios, existem pessoas que fazem negócios.Cada indivíduo deve ser olhado como único, cada um tem uma forma de ser tratado, visto, valorizado e reconhecido, apesar de que as políticas corporativas são genéricas, mas sua aplicação é individualizada. Existem pessoas que se motivam por coisas tangíveis, materiais e outras pela forma como são tratadas e respeitadas na organização. Cada geração tem demandas e expectativas diferentes e os líderes precisam estar atentos para adaptar sua abordagem.
Existem formas de maximizar a sinergia nas equipes e a primeira delas é perguntar às pessoas o que elas precisam, assim não vão se sentir marginalizadas. Reconhecer o desempenho da equipe pode reforçar o relacionamento e criar um compromisso e sentimento de pertencimento à organização. Avaliar o desempenho da equipe e estimular as áreas que precisam ser melhoradas sem “caçar culpados” pode ser uma boa estratégia.
Outro ponto muito importante hoje em dia, é o efeito da gratidão, que diferentemente do elogio, indica o quanto se avalia o trabalho da equipe.
9- Quais aspectos são importantes promover na gestão de equipe para combinar as diferenças de cada pessoa?
Fazer gestão de equipes é combinar os diversos saberes, habilidades e atitudes dos indivíduos para transformar em resultados, potencializando a inteligência coletiva com sinergia.
Uma equipe é um conjunto de pessoas interdependentes, que tem uma atividade funcional mediada por um gestor e metas compartilhadas. Existem aspectos que são fundamentais para a interação das equipes.
Quando eu trago a questão da combinação, combinar é aliar, juntar, unir, ajustar, e harmonizar as diferenças. É fazer a gestão da diversidade humana em todos os sentidos. Pessoas têm características diferentes, pensam diferentes, tomam decisões diferentes. Quando se fala em diversidade humana, as pessoas pensam que estamos falando apenas de gênero, raça, etnia, idade, pcd, mas antes de tudo, somos pessoas diferentes na personalidades, perfis, valores e convicções, experiências profissionais, nível de conhecimento, somos muito diferentes.
10- Como enxerga a evolução das áreas de gestão de pessoas e liderança nas últimas décadas? Quais os principais desafios atuais?
Na área de gestão de pessoas, a tendência é o profissional de RH com modelos organizacionais mais abertos e inclusivos, participando das decisões que impactam nos negócios e estratégias das empresas. Os processos serão geridos por sistemas inteligentes, processos automatizados, terceirizados com uma interconexão muito pronunciada entre as áreas de tecnologia e o RH que passa prioritariamente a cuidar de questões de bem-estar individual e coletivo dos colaboradores e a novas funções de RH serão revistas a partir da cooperação do trabalho homem-máquina.
O trabalho deve conectar desempenho x entregas x resultados de uma forma híbrida com equipes diversificadas, com foco na colaboração e na sustentabilidade, uma responsabilidade que passa a ser de todos e do RH também.
Uma tendência serão os contratos cada vez mais curtos e a retenção de talentos um dos maiores desafios, pois a taxa de turnover tenderá a ser mais alta e os profissionais qualificados com muitas chances de fazer escolhas.
Quanto ao líder do futuro já existem evidências de um déficit de liderança no mundo. Um líder que dê conta dos problemas do mundo contemporâneo assolado por uma de governança planetária que se apresenta por intermédio de múltiplas crises que não são localizadas, são globais. Estamos atravessando uma época em que o papel das lideranças e das organizações tem um peso enorme na vida de todos os seres humanos, ou melhor, de todos os seres vivos do planeta.
O líder do futuro deve lidar com os impactos da economia da inteligência artificial e da tecnologia de uma maneira geral com todas as suas inovações.
Um dos desafios será lidar com o ritmo acelerado das mudanças e com a cobrança por comportamentos éticos e transparentes, mas o desafio que terá repercussão em todos os processos da vida será a capacidade de humanizar-se para desenvolver organizações mais humanas e construir um mundo melhor, um mundo onde todos possam caber.
11- Como você define uma cultura organizacional humanizada? Quais os principais elementos de uma cultura do tipo?
A cultura humanizada espelha sua visão de mundo em um modelo de gestão que trabalha o poder da conexão humana para construir os valores organizacionais que mantém equipes de alta performance, baseada em uma infraestrutura de relacionamento psicossocial. Com uma visão de mundo humanista, o nível de energia dos colaboradores é liberado quando os indivíduos, grupos e organizações estão alinhados com o propósito mais amplo do que a geração de riqueza, mas reconhece que fazem parte de um sistema econômico com seus stakeholders interdependentes e todos importantes para a organização e desenvolvimento do negócio.
A liderança de uma empresa humanizada passa a se comportar como uma liderança realmente humana, nas variadas dimensões que isso envolve. Bob Chapman fez uma declaração que para mim, responde essa questão de forma genial, quando afirmou: ‘Medimos o sucesso pelo modo com que tocamos a vida das pessoas. Não pelo poder. Não pela posição. Não pelo dinheiro. Não pelo crescimento. A verdadeira liderança humana mede o sucesso pelo modo como as vidas humanas são enriquecidas e curadas.
12- Na sua perspectiva, de quem tem uma carreira consolidada e experiente, como avalia o papel das mulheres nos cenários organizacional e de liderança nos dias atuais? Quais as perspectivas futuras?
Considero o papel da mulher na atualidade e a liderança feminina como temas muito importantes e oportunos neste século 21, um século que tem se revelado como um século de extremos nesse sentido. Não se tolera mais a forma com a mulher ainda vem sendo vista em alguns setores. Certos preconceitos estão ultrapassados.
Os efeitos da revolução feminina e evolução das mulheres em vários âmbitos é real e já reconhecido pelo impacto positivo que exerce em nossas vidas. Quando a mulher se torna líder ela já passa naturalmente por um processo forte de reflexão e normalmente de transformação, trazendo a consciência do feminino para o ambiente.
As fronteiras entre o jeito de liderar masculino em comparação com a forma que as mulheres estão trazendo para as organizações contemporâneas já demonstra uma diferença sutil pelo propósito e os valores fundamentais que estão trazendo para o ambiente de negócios, econômico e social.
A liderança feminina no mundo contemporâneo é o resultado de uma intensa mobilização de movimentos que lutaram e continuam atuando para que a igualdade de gênero se torne uma realidade e se estabeleçam condições objetivas de trabalho em áreas que eram negadas à participação das mulheres. Não se pode mais falar em adequação do papel da mulher, mas sobre o protagonismo que a mulher vem exercendo no mundo pelas características femininas e a capacidade de cuidar, tão característico do seu jeito de ser.
É chegado o tempo da mulher se expressar plenamente com seus atributos femininos para dar uma virada evolucionária no destino da humanidade. E que mulheres e homens possam se enxergarem como inteiros, nesse mundo que tanto se fragmenta.
(Continua na parte 2…)
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